Revista Morashá - Edição
75 - abril de 2012
No artigo “A verdade histórica da Revelação Divina no Monte Sinai”,
analisamos se há razão suficiente para se acreditar que D’us Se revelou
ao Povo Judeu no Monte Sinai. Como vimos no artigo, à página 10, as
fontes básicas de conhecimento sobre a Revelação Divina são a
transmissão oral, de geração a geração, e um registro escrito, a dizer,
os Cinco Livros da Torá. Caso haja uma razão sólida para acreditar que a
Torá é de autoria Divina, a veracidade do que quer que a mesma nos
relate, inclusive a Revelação Divina no Sinai, é, pois, inquestionável.
No entanto, se a Torá tivesse sido escrita por um ser humano, ainda
que por Moshé, sua veracidade e autoria poderiam ser questionadas –
pois nenhum homem é dono da Verdade Absoluta.
Halachá LeMoshé MiSinai
Como o judaísmo advoga que a Torá é a Palavra de D’us, seria
lógico presumir que não há desacordo ou discussão acerca de suas leis.
Contudo, na realidade, o Talmud Babilônico, que elucida os Cinco Livros
da Torá e constitui o pilar da Lei Judaica, é formado por uma série de
divergências e debates entre nossos Sábios.
Cabe perguntar: se D’us transmitiu a Torá a Moshé, haverá o
que discutir sobre suas leis? A resposta profunda a essa pergunta está
além do escopo deste artigo, mas a resposta simplista, fornecida pelo
Talmud de forma explícita e não apologética, é que no dia em que Moshé
deixou este mundo, o Povo Judeu esqueceu muitas das leis da Torá Oral,
que são as elucidações e explicações da Torá Escrita. Por isso, coube
aos Sábios, através de discussões, lógicas e análises, tentar recuperar
o conhecimento perdido. No entanto, os ensinamentos da Torá Oral que
não foram esquecidos não estão sujeitos à discussão.
No Talmud, há uma frase “mágica” que coloca um ponto final em qualquer discussão: Halachá LeMoshé MiSinai – em português, “trata-se de uma lei transmitida a Moshé no Sinai”.
As divergências existentes no Talmud não contestam, mas até
corroboram a Revelação Divina no Sinai e a Divina Autoria da Torá. Como
a Revelação ocorreu apenas uma única vez e como a Torá foi criada por
D’us e transmitida apenas a Moshé, não houve quem vivesse após Moshé que
pudesse ensinar as leis que tinham sido esquecidas. Como ensina o
Talmud (Tratado Temurá 16ª): “Um profeta não está autorizado a
introduzir nada de novo”. A Torá deu aos Sábios o poder de decretar
leis rabínicas, mas as leis bíblicas não podem ser alteradas, criadas
ou abolidas. Como ensina o Midrash (Devarim Rabá,
8:6): “Moshé disse ao Povo Judeu: ‘Não digam que outro Moshé surgirá,
com outra Torá dos Céus; já lhes estou anunciando, agora, não está nos
Céus. Nada restou nos Céus’”.
O fato de que os Sábios do Talmud discordassem acerca da
aplicação adequada de muitas das leis da Torá é uma indicação de que o
judaísmo não é dogmático, mas é a busca da verdade. Por outro lado, o
fato de que apesar de todas as suas discordâncias, os Sábios
unanimemente concordam sobre tantos pontos, é uma boa evidência de que o
judaísmo tem uma única origem comum; pois, de outra forma, os Sábios
do Talmud debateriam sobre os mínimos pontos da Lei Judaica. Quando as
pessoas que costumam discordar entre si estão de acordo sobre umas
tantas coisas, geralmente é sinal de que há uma razão para tal. Se para
os Sábios do Talmud, Halachá LeMoshé MiSinai não estava
sujeita à discussão, significa que a veracidade da Revelação Divina no
Sinai e da Autoria Divina da Torá eram incontestáveis para eles. Assim
sendo, eles não desperdiçariam seu tempo e energia discutindo o óbvio.
Mas, se não tivesse ocorrido a Revelação Divina no Sinai e se a Torá não tivesse sido escrita por D’us, o conceito da Halachá LeMoshé MiSinai
não existiria. Pois se a Torá foi escrita por Moshé, por que seria
proibido a um profeta ou um sábio de um período posterior mudar
qualquer de suas leis ou, ao menos, instituir decretos que pudessem
solucionar todas as dúvidas sobre a Lei Judaica?
Na verdade, na ausência de uma Revelação Divina, será que deveríamos
atribuir a um ser humano o poder de criar leis imutáveis e, de fato,
nem sequer passíveis de discussão? Com todo o respeito a Moshé, ele não
fundou o judaísmo, nem foi um de nossos Patriarcas. E se a Torá
tivesse sido escrita por ele, por que razão deveríamos acreditar, como
diz a Torá, que ele foi o maior profeta de todos os tempos? Além disso,
a tradição judaica não mede palavras em sua tentativa de humanizá-lo. É
inconcebível que os judeus atribuíssem autoridade divina a o que quer
que fosse que Moshé lhes ensinasse, a menos que soubessem que a Torá
não era dele, mas realmente do D’us de Israel.
Se a Torá não tivesse sido escrita pelo Todo Poderoso, os
profetas e Sábios que vieram após Moshé poderiam ter mudado algumas de
suas leis – coisa que nunca ocorreu. No curso da História Judaica,
criaram-se leis rabínicas, que foram modificadas e até rechaçadas, mas
ninguém jamais ousou tocar na lei bíblica. Ninguém ousou argumentar com
a Halachá LeMoshé MiSinai. Se todos os profetas e Sábios que
viveram após Moshé se recusaram categoricamente a substituí-lo ou mesmo
a tentar replicar o que ele conquistara – nem mesmo pela nobre razão
de tentar recuperar o conhecimento que foi perdido com sua morte – é
porque sabiam que a Torá era a Palavra de D’us, que fora transmitida
apenas a Moshé; e agora que ele se fora, não havia como novamente
trazer a Torá dos Céus à Terra.
Um livro de lendas?
É possível que o Povo Judeu tenha aceitado primeiramente a
Torá como um livro de lendas e que, com o passar do tempo, após o
transcurso de muitas gerações, quando já não era mais possível
corroborar a veracidade de seus relatos, tenha sido aceita como
verdade? Consideremos a seguinte teoria: alguém no deserto – quiçá
Moshé, quiçá alguém outro – redigiu a Torá, inclusive o relato da
Revelação Divina no Sinai, e todo o povo o aceitou, apesar de ser tudo
invenção, pois eles nem o levaram a sério: consideraram que tudo fosse
mitologia judaica. Passado o tempo, no entanto, um número cada vez
maior de judeus começou a acreditar que aquelas histórias eram
verdadeiras.
Esta teoria é popular entre ateus e agnósticos. Mas é uma
teoria relativamente fácil de ser rechaçada. Primeiro, nos últimos
3.000 anos, apesar de todas as diferenças e divergências existentes
entre o Povo Judeu, nunca houve uma tradição que dissesse que a Torá é
obra de ficção. Mesmo os Caraítas, que não aceitavam os ensinamentos da
Torá Oral, acreditavam categoricamente que cada uma das palavras da
Torá Escrita era a Palavra de D’us. É possível que toda a geração do
deserto tenha adotado a Torá como obra de ficção, mas, em algum momento
da História Judaica, esse fato foi esquecido ou negligenciado por
todos os judeus e todos começaram a acreditar que a Torá foi
historicamente precisa? Para exemplificar quão improvável é essa
teoria, pensemos em quão improvável é que todos os gregos vivos hoje
mudassem de ideia sobre a Ilíada e a Odisseia e começassem a crer que
esses trabalhos não são lendas, mas fatos históricos.
Segundo, há apenas uma versão da Torá, e não há relatos
conflitantes sobre os eventos que descreve. Através da história, muitos
judeus, especialmente os insolentes Reis de Israel, poderiam ter
justificado seu comportamento pecaminoso alegando que a Torá era uma
invenção ou um livro de lendas. Se essas pessoas apenas pudessem
apresentar alguma evidência de que a Torá não fosse Divina – de que foi
escrita por Moshé ou por outros seres humanos – eles poderiam ter
algum tipo de desculpas para muitas de suas próprias ações,
especialmente sua idolatria, que não prejudicou nenhum outro homem. Mas
nos últimos três milênios, mesmo os judeus que mais se beneficiariam
levantando dúvidas sobre a autoria da Torá, não o fizeram. Eles
poderiam ter questionado a Justiça Divina, mas nunca tiveram a audácia
de questionar a verdade da Revelação no Sinai e a legitimidade e a
Divina autoria da Torá. E por quê? Porque como explicamos no artigo
anterior, um evento público que envolveu milhões de pessoas é
praticamente impossível de ser negado.
Terceiro, é inconcebível que pessoas sensatas inventassem muitas das
leis que constam na Torá, e, ainda mais, que inventassem o conceito de
que o Criador do mundo os fizesse responsáveis por respeitá-las (Este
Criador a quem jamais teriam visto se o relato da Revelação Divina
fosse invenção). Exemplificando: a lei da Shemitá – os
ordenamentos ao Povo Judeu de abrir mão do trabalho agrícola na Terra de
Israel de sete em sete anos (Levítico 25:1-24). A Torá ordena aos
judeus que sigam esta lei e não se preocupem com a falta de alimento,
pois D’us os abençoará com fartura de provisões no sexto ano para
compensar o sétimo em que se absterão de trabalhar a terra.
Consideremos: Por que os seres humanos escreveriam uma tal
lei? Será que colocariam sua própria sobrevivência e a de seus filhos
em risco? Será que inventariam promessas de um Fiador e diriam às
gerações futuras que deviam cumprir esse mandamento porque o Criador do
mundo proveria a eles, quando, na realidade, eles mesmos sabiam que uma
tal promessa Divina jamais havia sido feita? E o que aconteceria
quando, no ano antes do Sabático, a colheita não fosse mais farta do
que nos anos anteriores e os judeus não tivessem alimento para o ano
seguinte?
Escrever essa lei e fazer os demais confiarem numa falsa
promessa de bênçãos Divinas, seria o cúmulo da tolice e da
irresponsabilidade. Contudo, os judeus aceitaram as leis do Sabático e
se comprometeram a segui-las. E se o fizeram, é porque sabiam que era
uma lei criada por D’us. Nem Moshé nem nenhum outro ser humano poderia
fazer um povo inteiro colocar sua sobrevivência em risco. Na verdade,
se D’us não tivesse escrito a Torá, os judeus teriam que ser muito
tolos para concordar de viver segundo a maioria de seus mandamentos.
Por exemplo, por que eles aceitariam a lei da circuncisão? Três
mil anos atrás ninguém sabia que a circuncisão pode evitar a
disseminação de várias doenças terríveis. Podemos entender a razão para
um povo aceitar leis relativas ao funcionamento adequado da sociedade,
como as que proíbem o assassinato, adultério e roubo, mas por que os
judeus aceitariam as muitas leis rituais da Torá – algumas das quais,
extremamente complexas e esotéricas – e concordariam em não violar
muitas de suas leis que os privam de vários dos prazeres da vida? Por
que os judeus concordariam em não comer frutos do mar e carne não-casher? Por que eles aceitariam todas as leis da Torá sobre as relações sexuais proibidas?
Vejamos, será que milhões de pessoas aceitariam a Torá se não a
tivessem recebido diretamente de D’us e soubessem, de fato, que era
Sua Vontade que seguissem suas leis? Há um famoso Midrash que
ensina que antes de outorgar a Torá ao Povo Judeu, D’us a ofereceu a
todas as demais nações do mundo que a recusaram. Mas trata-se de um Midrash metafórico,
que ensina que D’us, por ser Onisciente, sabia que somente os judeus
aceitariam seguir as leis da Torá; não se trata de um relato histórico.
Já houve um caso na história em que a Torá foi ofertada a grandes
grupos de pessoas que se recusaram a aceitá-la? Sim, houve.
Muitas pessoas não o sabem, mas os fundadores do Cristianismo
eram judeus seguidores da Torá. O Cristianismo se iniciou como um
movimento messiânico judaico. O propósito dos primeiros cristãos não
era começar uma nova religião, mas ganhar o máximo de adeptos para seu
movimento – judeus ou não. E como eles consideravam seu movimento
messiânico autenticamente judaico, somente seriam aceitos os não-judeus
que se convertessem ao judaísmo.
Mas, segundo relato da Bíblia cristã, quando os fundadores do
Cristianismo saíram em suas primeiras missões proselitistas, não
tiveram sucesso em sua tentativa de converter os pagãos ao judaísmo.
Apesar de terem ouvido que a Torá era a Palavra de D’us, os gentios
ficaram assombrados com seus mandamentos – as leis de Casherut, do Shabat
e, sobretudo, da circuncisão. Os primeiros cristãos somente
conseguiram converter pagãos a seu recém-criado movimento quando
abandonaram a exigência de que os não-judeus aceitassem as leis da Torá.
Eles provavelmente perceberam que nenhuma nação, exceto os judeus, se
sujeitaria àquelas leis.
Quem pode culpar os pagãos por recusar a Torá? É compreensível
que os judeus a tenham aceitado – eles testemunharam a Revelação Divina
no Sinai, e, na verdade, não tinham muita escolha. Mas por que um povo
que não testemunhou a Revelação e a outorga da Torá iria aceitar a
responsabilidade de cumprir todos os seus difíceis mandamentos?
Um cético implacável pode alegar que os judeus escreveram a
Torá e inventaram todas as suas complicadas leis para difundir o
próprio argumento que aqui defendemos: como nenhum povo seria capaz de
criar tais leis para si, a Torá certamente é de autoria Divina.
Seria possível que os judeus propositalmente se colocassem
numa camisa de força para ludibriar o mundo, inclusive seus
descendentes, dizendo que D’us lhes teria aparecido, apenas a eles, e
os teria escolhido para lhes entregar Suas Leis? Novamente, a resposta é
que isso seria altamente improvável. E se esse era o seu plano, o tiro
saiu pela culatra, pois a Revelação no Sinai não rendeu aos judeus o
amor e a admiração do resto da humanidade. Milênios antes de ocorrer a
Inquisição e o Holocausto, o Talmud já tinha previsto que os judeus
seriam odiados por terem sido escolhidos por D’us para receber a Sua
Torá e testemunhar a única Revelação Divina na História.
O Rabi Yehoshua ben Levi assim ensina no Talmud: Por que a
montanha onde a Torá foi entregue se chama Sinai? Porque ela causaria Sinat – ódio – entre o restante do mundo contra o Povo Judeu.
Um Livro nada lisonjeiro
Além de conter inúmeras leis de difícil cumprimento, a Torá
narra muitas histórias, a maioria das quais não são nada lisonjeiras
para nosso povo. Mesmo o relato mais espetacular da Torá – o da
Revelação Divina – não foi uma ocasião inteiramente feliz, pois apenas
40 dias após sua ocorrência, o povo já adorava um bezerro de ouro,
fazendo com que Moshé quebrasse as Tábuas da Lei. Até o Livro de Gênese
é pouco lisonjeiro ao nosso povo. Pois enquanto muitas outras nações
santificam seus fundadores e criadores, a Torá descreve nossos
Patriarcas e antepassados como seres humanos falíveis, que suportaram
provações e infortúnios e que tiveram fraquezas e cometeram erros.
Um cético poderia novamente alegar que Moshé ou os judeus
escreveram a Torá de tal forma que provasse o argumento que acabamos de
defender: nenhum povo poderia escrever relatos tão pouco lisonjeiros
sobre si próprio; portanto, a Torá certamente foi escrita por D’us.
Mas, muito sinceramente, os relatos da Torá não são apenas
pouco elogiosos – o que serviria para torná-los ainda mais críveis –
eles são simplesmente prejudiciais. Algumas histórias negativas talvez
servissem para tornar as boas um pouco mais críveis, mas a Torá é
repleta de relatos que colocam os judeus sob um prisma muito negativo.
Pode ser difícil, mesmo, encontrar uma porção da Torá que não contenha
uma ação negativa de nossos antepassados. Será que as pessoas
escreveriam relatos tão danosos sobre si próprias? Será que
quereriam ser lembradas dessa forma por seus filhos e seus futuros descendentes?
O que é ainda mais incrível é que apesar das muitas leis de
difícil cumprimento e das histórias nada lisonjeiras, nós, judeus,
reverenciamos a Torá. Não há objeto inanimado mais sagrado ao judaísmo
do que um rolo contendo os Cinco Livros da Torá. E por quê? Porque nós,
como nossos antepassados, não temos dúvidas acerca de sua autoria.
Quando o Mestre do Universo escreve um livro e elenca nosso povo como
protagonistas, nós o reverenciamos, mesmo que seu conteúdo nem sempre
nos favoreça.
Alucinógenos e alucinações
Seria possível que Moshé e os três milhões de judeus que ele
liderou não tenham tramado um plano mentiroso, mas se tenham confundido
com o que imaginaram ter visto? Um professor israelense de Filosofia
da Universidade Hebraica, Benny Shannon, apresentou a seguinte hipótese:
a Revelação Divina no Sinai teria sido, na realidade, uma alucinação
decorrente do fato de Moshé e os judeus terem tomado uma substância
altamente psicodélica, encontrada na árvore da acácia, frequentemente
mencionada na Bíblia. O professor fez a seguinte declaração: “No que
toca ao Monte Sinai e a Moshé, o que ocorreu foi um evento cósmico
sobrenatural – o que não acredito – ou uma lenda – no que tampouco
acredito – ou, finalmente e mais provável, um evento que uniu Moshé e o
Povo de Israel sob o efeito de narcóticos”.
Antes de analisar a hipótese do prof. Shannon, é interessante
observar que mesmo ele – que não crê em uma Revelação Divina – não
acredita que o relato seja uma lenda. Isso serve como exemplo
verdadeiro do que discutimos no artigo anterior: que é muito difícil
negar um evento público ocorrido diante de milhões de pessoas. Como o
professor não pode negar o evento, mas tampouco pode aceitar que tenha
havido uma Revelação Divina, ele necessita recorrer a outra explicação –
o uso de alucinógenos.
O problema na teoria do acadêmico é que é necessário ter muito
mais fé para se acreditar na mesma do que para acreditar que D’us Se
revelou aos judeus no Monte Sinai. Senão, como teria Moshé conseguido
encontrar a quantidade de alucinógenos para três milhões de pessoas?
Segundo, como Moshé convenceu todos eles a ingerirem a droga? A própria
Torá atesta que o povo frequentemente se rebelava contra ele. E mesmo
se os milhões que lá estavam concordassem em se drogar, teriam-na
consumido, todos, ao mesmo tempo? E teria a droga afetado milhões de
pessoa exatamente ao mesmo tempo e da mesmíssima forma? Sabemos que
diferentes pessoas reagem de diferentes maneiras à mesma droga. Alguns
organismos reagem intensamente; outros, não. Algumas pessoas levam
muito tempo para reagir a um alucinógeno, ao passo que outras reagem
quase que imediatamente após sua ingestão. Além disso, como essas
substâncias afetam o cérebro, e como não há duas pessoas – que dizer de
milhões delas – que pensem de forma igual, as pessoas veem coisas
diferentes quando ingerem essas drogas. Portanto, seria quase uma
impossibilidade estatística que milhões de pessoas tomassem uma droga e
tivessem simultaneamente uma mesma experiência ilusória e ouvissem a
mesmíssima mensagem...
Mas, o mais revelador acerca da hipótese do Prof. Benny
Shannon é que além de ter admitido não ter “nenhuma prova direta de sua
interpretação”, ele fez a seguinte declaração: ”Mas nem todos que usam a
tal planta alucinógena trazem a Torá... Para tanto, você tem que ser
um Moshé”...
A pergunta que deveria ser feita ao professor é: de onde
exatamente Moshé trouxe a Torá? De onde veio a Torá? Se ele acredita
que Moshé a escreveu e que sua teoria da droga alucinógena está
correta, por que o Povo Judeu deveria viver de acordo com as leis
criadas por um homem que era tão drogado que tinha alucinações sobre
uma suposta Revelação Divina?
Indo mais além, a teoria de que Moshé dopou o povo para
trapaceá-los e os fazer crer que D’us Se revelara a eles não é crível
por uma razão adicional. Se os inimigos de Moshé tivessem sequer
suspeitado de alguma desonestidade – se eles acreditassem que ele os
estivesse drogando para induzi-los a algum tipo de experiência coletiva
– eles o teriam acusado de ser um falso profeta, um charlatão. Moshé
tinha sua quota de inimigos entre o povo. É triste admiti-lo, mas
muitos dos judeus a quem ele conduziu inventaram e disseminaram
mentiras terríveis contra ele.
Acusaram-no de não ter habilidades para liderar, de nepotismo,
de roubo, de adultério e até de assassinato. Mas, interessante,
ninguém ousou acusá-lo de ser um falso profeta. Até mesmo Korach,
quando tentou depor Moshé e Aaron, nunca sequer sugeriu que ele tivesse
enganado o povo. Ele questionou o direito de Moshé de liderar os
judeus, mas nunca o acusou de charlatão. Nem mesmo Korach poderia
questionar a veracidade da Revelação Divina no Sinai ou a autoria
Divina da Torá. Ele sim questionou a aplicação de alguns dos
mandamentos da Torá por Moshé, mas jamais sequer ousou alegar que ele
os tivesse criado. E por quê? Porque a verdade estava evidente para
todos os judeus. A Revelação Divina tinha sido um evento público; todos a
tinham vivenciado. Ninguém poderia alegar que Moshé a tinha maquinado -
nem mesmo seu pior inimigo.
E não foram apenas Korach e os inimigos de Moshé que não puderam
negar a veracidade da Revelação Divina e a autoria Divina da Torá.
Através dos milênios, os inimigos históricos do Povo Judeu tampouco
conseguiram argumentar que eram falsidades.
No decorrer da história, muitas inverdades e maldades foram
ditas sobre os judeus, mas nunca fomos chamados de “povo inventado”, um
povo que inventou sua própria história. Alguém disse, muito
apropriadamente, que o elogio de um inimigo vale muito mais do que o de
um amigo. Quando mesmo nossos inimigos admitem a veracidade da
Revelação Divina e da Torá, é porque a evidência é muito óbvia para ser
negada.
A Essência do Povo Judeu
Muitos perguntam como é possível que, apesar de 2.000 anos de
exílio, a queda do Templo, os massacres, a Inquisição, as expulsões, os
pogroms e, acima de tudo, o Holocausto, nós, judeus, sobrevivemos e
permanecemos fiéis a D’us. A resposta é que a Revelação Divina no Sinai
ficou gravada no inconsciente coletivo do Povo Judeu. A Voz que se
ouviu no Monte Sinai reverbera até hoje no coração de todos nós, mesmo
que disso não tenhamos consciência. Cinquenta dias após o Êxodo, D’us
Se fez ver a nosso povo e nos deu uma missão. Foi uma missão tão
extraordinária que mesmo 2.000 anos de exílio e o Holocausto não foram
capazes de abortar.
Que missão foi essa? Está escrito no Livro de Isaías: “Vós sois Minhas testemunhas, diz o Eterno, e Eu sou D’us” (43:12). O Midrash faz
uma declaração espantosa: “Enquanto fordes Minhas testemunhas, Eu sou
D’us; se deixardes de ser Minhas testemunhas, deixarei de ser D’us”.
Como dissemos no artigo anterior, se não fôssemos nós, judeus, toda a
humanidade seria deísta1. Nós somos o canal através do qual D’us se
tornou conhecido no mundo.
Nossa missão é manter nossa própria existência e, por meio
disso, preservar a existência de D’us no mundo. Esta é a missão maior
que pode ser atribuída a um povo e a cada um dos indivíduos que o
compõem. É uma missão árdua e desafiadora, mas que por ela vale a pena
viver e lutar, e que, sem dúvida, constitui o propósito e a essência do
Povo Judeu.
Bibliografia:
Rabi Simmons, Shraga, "Sabbatical and Sinai". Artigo publicado no site: www.aish.com
"Was Moses high on Mount Sinai?". Artigo publicado no site www.msnbc.com
1 O deísmo é uma doutrina que considera a razão como a única via capaz de assegurar a existência de D'us, rejeitando, para tal fim, o ensinamento ou a prática de qualquer religião organizada.