Desvendando o “Dom de Línguas” – Uma análise Judaico-Messiânica
Fonte: www.ensinandodesiao.org.br
Um dos objetos de estudo da teologia mais
apreciado e estudado ao longo dos séculos é a profecia e o ato de
profetizar. Tanto nos meios judaicos como nos meios cristãos, tem-se a
figura do profeta נביא (Naví, em hebraico) como uma autoridade divina,
sendo o “porta-voz” da vontade e do direcionamento de Deus a indivíduos e
nações. Às vezes honrados e quase sempre perseguidos exatamente pela
legitimidade de seu dom, os profetas hebreus desempenham um papel
fundamental para a compreensão do Deus criador e seus propósitos para
Israel e para a humanidade. Porém, este fenômeno bíblico, que em
hebraico é chamado de נְבוּאָה “Nevuá” (profecia), é bem mais vasto e
rico do que sua simples tradução nos apresenta. O conceito de
“profetizar” assumiu uma compreensão comum de “prever o futuro”,
“anunciar juízos” ou “proferir bênçãos”. Porém, uma rápida análise
semântica das ocorrências na Tanách do ato de “profetizar” nos mostra
que tal fenômeno vai muito além das ações supra citadas, como veremos a
seguir.
Como fruto da observação do fenômeno da profecia (Nevuá) nas
Escrituras, encontramos um outro tipo de manifestação do ato de
profetizar. A chamada “profecia extática” também pode ser evidenciada ao
longo dos relatos Bíblicos, juntamente com a profecia “clássica” de
antever, predizer ou anunciar claramente a vontade divina. Na profecia
extática (que permeia o êxtase), vemos pessoas de variados contextos e
origens sendo cheias da inspiração divina (Rúach ou Espírito de Deus) e
traduzindo tal conteúdo espiritual (aparentemente desprovidas do
‘filtro’ do intelecto e da linguagem), externando os efeitos de tal
experiência através da voz. Os sons emitidos por alguém que passa por
esse tipo de “Nevuá” nem sempre obedecem às regras de linguagem que
conhecemos. Muitas vezes, são externados sons e palavras que não são
parte de uma língua conhecida ou falada, mas que, apesar disso, fazem
parte do processo sobrenatural da Nevuá. Tal processo não se desdobra
apenas na expressão de sons, mas também na COMPREENSÃO desses sons por
parte de seus ouvintes. Em algumas ocorrências, como Números 11:25 ou I
Sm 19:20, vemos que este tipo de profecia extática tem como principal
objetivo servir de sinal e comprovação da operação divina a um público
ou indivíduo específico.
Assim, a NEVUÁ extática é muitas vezes evidenciada em duas frentes:
1. Um emissor que FALA “em êxtase” pelo Rúach (à esse fenômeno a psicologia patológica dá o nome de línguas extáticas ou glossolalia);
2. Um receptor que ENTENDE pelo Rúach os sons
incompreensíveis do emissor “em Nevuá” como se estivessem sendo
proferidos em sua própria língua.
O famoso escritor e historiador judeu Joseph Klauser, em seu livro
“From Jesus to Paul”, aborda o fenômeno Bíblico da “Nevuá” (glossolalia)
conectando-o também aos eventos e relatos do Novo Testamento em Atos
cap. 02, I Co cap. 12 e cap. 14. (KLAUSNER, p. 273).
A psicologia também tenta, há décadas, entender este tipo especial de
NEVUÁ. À ele foi dado o nome de GLOSSOLALIA (*) , que significa,
“variedade de palavras”. Hoje, a psicologia já conseguiu explicar como o
processo se desenvolve no cérebro do indivíduo, atestando sua
veracidade. Segundo os estudos feitos, a glossolalia é um estado
emocional que permeia o êxtase, não afetado pelo intelecto, externado
pela pessoa através de uma “supra-linguagem” com sons e palavras
incompreensíveis ao intelecto, mas que carregam a essência do que está
enchendo a “psiqué” (alma) do portador.
Às vezes, este fenômeno da NEVUÁ ocorre nos relatos da TORÁ, sendo
erroneamente traduzido como “profecia”, o que confunde o entendimento do
leitor e leva-o a interpretar tal ato de “profecia” como um simples
“predizer o futuro”. É claro que existe a profecia clássica onde se
declara a palavra de Deus clara e diretamente, prevendo acontecimentos
ou juízos. Porém, há fenômenos de Nevuá extática nas Escrituras que são
mascarados sob a fraca tradução de “profecia”. Dentre os vários
exemplos, podemos citar a ocasião em que o Rei Saul envia mensageiros
para trazerem Davi, o qual estava na Casa dos Profetas, presidida pelo
profeta SAMUEL. O texto diz:
“Foi dito a Saul: Eis que Davi está na casa dos profetas, em
Ramá. Então, enviou Saul mensageiros para trazerem Davi, os quais viram
um grupo de profetas profetizando, onde estava Samuel, que lhes
presidia; e o Espírito de Deus veio sobre os mensageiros de Saul, e
também eles profetizaram (teNAVU). Avisado disto, Saul enviou outros
mensageiros, e também estes profetizaram (teNAVÚ); então, enviou Saul
ainda uns terceiros, os quais também profetizaram (teNAVÚ). Então, foi
também ele mesmo a Ramá e, chegando ao poço grande que estava em Seco,
perguntou: Onde estão Samuel e Davi? Responderam-lhe: Eis que estão na
casa dos profetas, em Ramá. Então, foi para a casa dos profetas, em
Ramá; e o mesmo ESPÍRITO DE DEUS O ENCHEU, que, caminhando, profetizava
(itNAVÊ) até chegar à casa dos profetas, em Ramá. Também ele despiu a
sua túnica, e profetizou diante de Samuel, e, sem ela, esteve deitado em
terra todo aquele dia e toda aquela noite; pelo que se diz: Está também
Saul entre os profetas?” (1Sm 19:19-24).
Nesta e em várias outras ocasiões nos relatos bíblicos, vemos que o
ato traduzido como “profetizar” não se caracteriza por um discurso
direto e compreensível para uma platéia específica (pois tal cenário não
existiu em tais ocasiões). Vemos aqui um fenômeno causado pelo encher
do Rúach que é externado através de sons e palavras incompreensíveis ao
intelecto, mas compreensíveis ao próprio Espírito. Isso é o que chamamos
de profecia extática. É importante notar que, geralmente, quem escreve
sobre um evento onde ocorreu uma profecia extática não escreve sobre o
conteúdo dessa profecia, provavelmente pois o ouvinte não conseguia
compreender o emissor. Apenas quando o ouvinte também é influenciado
pela mesma fonte (Rúach), ele consegue compreender o conteúdo deste tipo
de NEVUÁ.
Se notarmos também o evento ocorrido em ATOS capítulo 02, podemos ver
que o que ocorreu assemelha-se muito ao processo de NEVUÁ (glossolalia)
como os relatados no Tanách:
“…de repente, veio do céu um som, como de um vento impetuoso, e
encheu toda a casa onde estavam assentados (…) Todos ficaram CHEIOS DO
ESPÍRITO SANTO e passaram a falar em outras línguas, segundo o Espírito
lhes concedia que falassem. Ora, estavam habitando em Jerusalém judeus,
homens piedosos, vindos de todas as nações debaixo do céu. Quando, pois,
se fez ouvir aquela voz, afluiu a multidão, que se possuiu de
perplexidade, porquanto cada um os ouvia falar na sua própria língua.
(…) tanto judeus como prosélitos, cretenses e arábios. (…) Outros,
porém, zombando, diziam: Estão EMBREAGADOS! Então, se levantou Pedro,
com os onze; e, erguendo a voz, advertiu-os nestes termos: (…) Estes
homens não estão embriagados, como vindes pensando, sendo esta a
terceira hora do dia. Mas o que ocorre é o que foi dito por intermédio
do profeta Joel: E acontecerá nos últimos dias, diz o Senhor, que
derramarei do meu Espírito sobre toda a carne; vossos filhos e vossas
filhas PROFETIZARÃO (NIVÚ), vossos jovens terão visões, e sonharão
vossos velhos;” (At 2:2-17).
Vemos claramente que Shimon (Pedro) ao explicar para a multidão
atônita sobre o fenômeno descrito acima, cita o profeta Joel cap. 02:28,
afirmando que eles “NIVU” – PROFETIZARAM (não no sentido clássico de
“profecia” – declarar ou prever juízos ou acontecimento futuros, mas da
mesma forma que Saul profetizou em I Sm cap. 19). Tal como a Nevuá
extática, o fenômeno ocorreu como sinal e comprovação do mover de Deus. O
Eterno, visando testemunhar para os presentes e impactá-los com tal
acontecimento, concede que parte da multidão pudesse compreender (cada
um em sua língua natal) o que os discípulos “profetizavam”. Por esta
razão, vemos que uma outra parte da multidão NÃO compreende e afirma que
os discípulos estavam “bêbados” (At 2:13).
Ora, mesmo que um judeu do 1º século não falasse árabe, não seria
difícil perceber quando alguém falasse o idioma árabe próximo a ele.
Mesmo que não se entendesse o grego, um judeu do Egito daquela época
poderia discernir quando alguém falasse grego próximo a ele, pois os
sons e a entonação lhes seriam familiares. Assim, é certo que os judeus
estrangeiros que ali estavam e que afirmaram que os discípulos estavam
“bêbados”, não estavam escutando línguas existentes (como o árabe, o
persa, ou o grego), mas sim, sons incompreensíveis ao intelecto, o que
os fez pensar que tais homens estivessem bêbados. Isso caracteriza uma
NEVUÁ extática ou GLOSSOLALIA. Por esta razão, vemos não existir
diferença entre o fenômeno descrito em Nm 11:25, em I Sm cap. 19, em At
cap. 02 ou explicado pelo rabino Shaul (Paulo) em I Co cap 12 e cap. 14.
A NEVUÁ e o chamado “dom de Línguas” representam O MESMO AGIR
SOBRENATURAL pelo Espírito de Deus. Todos são relatos e descrições do
MESMO fenômeno Espiritual que nunca foi EXCLUSIVO do NOVO TESTAMENTO,
mas sim, um mover e um dom do ETERNO já presente ao longo de toda a
Tanách. É necessário, no entanto, perceber que Paulo refere-se ao dom da
profecia extática como “variedade de línguas” ou “línguas estranhas”
exatamente para diferenciá-lo do dom da Profecia clássica. O chamado
“dom de línguas” não representa o falar em idiomas conhecidos pelo
homem, como explicado claramente pelo Apóstolo: “Pois quem fala em outra língua não fala a homens, senão a Deus, visto que NINGÚEM o entende, e em espírito fala mistérios.”
[1Co 14:2 ARA]). Quando alguém fala em línguas e outro ouvinte consegue
entender como se fosse em seu próprio idioma, tem-se evidenciado uma
intervenção divina (também chamado por Paulo de “dom de interpretação de
línguas” – ICo 14:27-28).
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